A inovação pública sem trilho: os impactos da ausência do diagnóstico de problemas

O setor público opera em um ambiente complexo, multidimensional e submerso em wicked problems (problemas de elevada severidade). A capacidade de diagnóstico e mapeamento destes problemas incorrerá nas soluções que serão apresentadas – e, consequentemente, no sucesso que será atingido por estas iniciativas. No entanto, a realidade fática da Administração Pública demonstra que nem sempre há ocorrência desta sequência lógico-temporal, tendo a implementação de soluções inovadoras prescindindo da análise profícua do problema.

Alguns elementos teóricos podem submergir deste desencontro entre problemas e soluções. No âmbito das políticas públicas, o modelo garbage can ou “lata de lixo”, desenvolvido por Cohen, March e Olsen (1972), indica que a compreensão do problema e das soluções é limitada, e as organizações operam em um sistema de tentativa e erro. Em síntese, o modelo advoga que soluções procuram por problemas. As escolhas compõem um garbage can no qual vários tipos de problemas e soluções são colocados pelos participantes à medida que eles aparecem – não havendo, portanto, uma delimitação precisa do problema a que se destina determinada solução.

A não compreensão profunda do problema pode levar a outro caminho: a assunção de formatos iguais e no assemelhamento de práticas gerenciais em busca de identidade e, por conseguinte, de legitimidade. Este processo, cunhado de isomorfismo institucional pelos autores DiMaggio e Powell (2005) , mostra que, muitas vezes, as organizações imitam outras em suas práticas por não terem nitidez sobre o contexto em que operam. De acordo com os autores, o isomorfismo mimético deriva de ambientes de incerteza, com problemas de causas ambíguas e soluções pouco claras – numa mera repetição de padrões e práticas.

Sem o real mapeamento do problema público, o discurso de inovação no setor público é inócuo, pois não se alicerça nas necessidades reais, mas na mera repetição de práticas organizacionais e/ou soluções pré-concebidas em “latas de lixo”. No caso da Administração Pública, o diagnóstico de problema é tarefa ainda laboriosa, por se tratar de problemas com maiores grau de complexidade e abrangência de seus efeitos.

Para tanto, estes wicked problems demandam colaboração de múltiplos atores para sua identificação. Caso não se tenha uma estratégia precisa para seu mapeamento, tende-se a criar o que Dunn (2012) chamou de “problemas dos problemas” – o problema de como eles serão simplificados, focados, limitados ou formulados mais precisamente. Sem isso, a inovação não chegará a lugar algum, pois não se sabe para onde se deve ir.

Referências bibliográficas

COHEN, M., MARCH, J. e OLSEN, J. “A Garbage Can Model of Organizational Choice”, Administrative Science Quarterly 17: 1-25. 1972.

DIMAGGIO, P. J.; POWELL, W. W. A Gaiola de Ferro revisitada: isomorfismo institucional e racionalidade coletiva nos campos organizacionais. Revista de Administração de Empresas, v. 45, p. 74-89, 2005. ISSN 2.

DUNN, W. N. Public policy analysis. 5a ed. Boston, Pearson, 2012.

Autora



Tamilly Viríssimo
Doutoranda em Administração (UDESC/ESAG), Mestra em Administração (UDESC/ESAG), Especialista em Gestão Pública (UFSC) e Gestão de Pessoas (UFSC) e Bacharela em Administração Pública (UDESC/ESAG). Analista Judiciário no Tribunal Regional do Trabalho e Professora de Administração Pública. Acessar Lattes.

2 comentários em “A inovação pública sem trilho: os impactos da ausência do diagnóstico de problemas”

  1. Flávio Facha Gaspar

    Well Done!!! Mas do que fazer avaliação dos impactos ou de resultados, fazer o diagnóstico de implementação, avaliação de implementação seria bons caminhos, não precisa ser uma coisa muito sofisticado, como exemplo no caso de municípios pequenos usar métodos qualitativos, sistematizados, provocando reuniões técnicas.

  2. Micheline Gaia Hoffmann

    Exatamente, Flávio! Dispomos de muitas técnicas de uso bastante simples que podem fazer toda a diferença ao desenvolvimento do processo!

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