Laboratórios de inovação no setor público: perspectivas e limitações

O crescente número de laboratórios de inovação no âmbito do setor público, verificado no Brasil e no mundo nas duas últimas décadas, acompanhado da ainda incipiente pesquisa acadêmica acerca dessas organizações, desperta uma profunda curiosidade a respeito da natureza dessas instituições, as quais, embora representem um importante movimento em favor da busca por soluções inovadoras, enfrentam sérios dilemas relacionados à autonomia, à sobrevivência e ao seu papel no setor público.

Cientes dessa problemática, Hironobu Sano (2020) e Tõnurist, Kattel e Lember (2017) desenvolveram dois importantes estudos empíricos com o objetivo de mapear e analisar os laboratórios de inovação no setor público. Enquanto aquele autor concentrou-se nas organizações brasileiras, estes últimos pesquisadores buscaram laboratórios por todo o mundo.

Embora não se ignorem as limitações inerentes às pesquisas exploratórias, nota- se que a abrangência do mapeamento e o rigor nas análises e nas classificações permitiram um amplo conhecimento dessas estruturas, ainda tão pouco exploradas pela literatura.

De início, destaca-se que os laboratórios de inovação, tanto no setor privado como no setor público, são bastante heterogêneos – em termos de atividades, escala e estruturas organizacionais – tornando-os difíceis de mapear e analisar (TÕNURIST; KATTEL; LEMBER, 2017), fato que conduziu a uma multiplicidade de conceitos, dispostos a abranger, em uma única definição, toda a pluralidade que envolve essas organizações.

Não obstante tais dificuldades, os laboratórios de inovação no setor público podem ser adequadamente conceituados como ambientes colaborativos que buscam fomentar a criatividade, a experimentação e a inovação, por meio da adoção de metodologias ativas e da cocriação, na resolução de problemas (SANO, 2020).

Em geral, os laboratórios de inovação são espaços que fazem parte do governo, mas que possuem estruturas separadas do restante do setor público, e apresentam grande autonomia na definição de seus objetivos e formas de trabalho. Além disso, possuem equipes reduzidas, menor rigidez hierárquica, baixa rotatividade e dependência de recursos externos (SANO, 2020).

A estrutura pequena, autônoma e flexível dos laboratórios de inovação tem sido vista como o ponto central para o sucesso das atividades dessas organizações, uma vez que essa configuração enxuta possibilita uma comunicação muito rápida e compele o laboratório a executar suas atividades de modo “rápido e sujo”, uma vez que não há pessoal ou orçamento suficiente para desenhar o processo (TÕNURIST; KATTEL; LEMBER, 2017).

Contudo, os laboratórios de inovação, por sua natureza, existem em ambientes turbulentos e conflitantes – principalmente em razão das mudanças tecnológicas, da necessidade de atendimento às expectativas do usuário e da presença de culturas organizacionais contraditórias –, de modo que os próprios laboratórios precisam justificar sua existência e estar sujeitos a mudanças (TÕNURIST; KATTEL; LEMBER, 2017).

Assim, em razão desse tumultuado e adverso contexto, associado às particularidades das estruturas dos laboratórios, emergem para essas organizações experimentais notórios desafios relacionados à autonomia, à sobrevivência e ao papel no setor público.

No tocante à autonomia e à sobrevivência, Tõnurist, Kattel e Lember (2017) destacam a existência de um interessante paradoxo. Embora os laboratórios menores e de baixo orçamento, em geral, desfrutem de um alto nível de autonomia, flexibilidade, liberdade e agilidade e de um reduzido controle de resultados, essas organizações tendem a ser mais suscetíveis ao encerramento de suas atividades se não houver o apoio do alto escalão do governo. Por outro lado, laboratórios maiores e de alto orçamento, apesar de possuírem mais chances de sobrevivência, enfrentam o risco de perder a autonomia e a flexibilidade, pois exigirão um controle mais rigoroso dos resultados, bem como um comando mais padronizado e tradicional.

Quanto ao seu papel no setor público, constata-se que nem sempre os grandes objetivos e motivos que levaram à criação dos laboratórios de inovação restaram concretizados nas atividades práticas dessas organizações (TÕNURIST; KATTEL; LEMBER, 2017).

Com efeito, em ambas as pesquisas, não obstante os laboratórios tenham indicado, como objetivo, a promoção do engajamento de outros atores na inovação (como cidadãos, sociedade civil, setor empresarial), essas instituições produziram a maior parte do seu trabalho de modo intraorganizacional (com participação de diferentes setores da mesma organização pública) ou intragovernamental (com participação de unidades governamentais distintas), de modo que ainda se mostra restrito o engajamento de atores externos ao setor público (SANO, 2020; TÕNURIST; KATTEL; LEMBER, 2017).

Além disso, Tõnurist, Kattel e Lember (2017) observaram que, embora normalmente os objetivos indicados pelos laboratórios se refiram a desafios complexos (tanto sociais como tecnológicos) que exigem mudanças de sistemas, as atividades práticas geralmente foram direcionadas a programas, projetos ou serviços singulares. Assim, verificou- se que os laboratórios, por adotarem metodologias ágeis (prototipagem rápida, abordagens rápidas e sujas), tendem a priorizar projetos específicos e de curto prazo, fato que pode prejudicar o desenvolvimento de inovações em áreas que exijam o envolvimento de longo prazo para um impacto real.

Portanto, conquanto os laboratórios de inovação no setor público apresentem uma forte tendência de crescimento, relacionada à busca do poder público pela inovação, ainda é necessário que tais organizações identifiquem e reconheçam suas limitações de escopo, relacionadas às suas estruturas e dinâmicas próprias, bem como avaliem as possíveis adversidades que possam surgir no desempenho de suas funções, de modo a reduzir o risco de que tais barreiras prejudiquem sua missão precípua: aprimorar a gestão, os serviços e as políticas públicas.

Referências bibliográficas

TÕNURIST, Piret; KATTEL, Rainer; LEMBER, Veiko. Innovation labs in the public sector: what they are and what they do? Public Management Review, v. 19, n. 10, p. 1455-1479, 2017.

SANO, Hironobu. Laboratórios de inovação no setor público: mapeamento e diagnóstico de experiências nacionais. Brasília: Enap, 2020.

Fontes das Imagens

Imagem 1. Disponível em: https://unsplash.com/photos/vbxyFxlgpjM

Imagem 2. Disponível em: https://unsplash.com/photos/qC2n6RQU4Vw

Imagem 3. Disponível em: https://unsplash.com/photos/lG-6_ox_UXE

Autora



Anna Clara Leite Pestana
Bacharela em Direito pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE). Advogada e Auditora Fiscal de Controle Externo do Tribunal de Contas do Estado de Santa Catarina (TCE/SC). Acessar Lattes e LinkedIn.

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