CONTRATAÇÕES COMPARTILHADAS: INOVAÇÃO COLABORATIVA NA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

No ano de 2021 foi realizado o Termo de Cooperação Técnica nº 54/2021, que tem por finalidade permitir a realização de contratações compartilhadas entre os órgãos signatários do termo, Tribunal de Justiça de Santa Catarina (TJSC), Tribunal de Contas de Santa Catarina (TCE/SC); Assembleia Legislativa de Santa Catarina (ALESC) e Ministério Público de Contas (MPC/SC). Tal instrumento permite que sejam realizados processos licitatórios conjuntos quando verificadas necessidades em comum entre os órgãos, que podem ser supridas por meio de contratações compartilhadas na modalidade Sistema de Registro de Preços.

A parceria entre os órgãos pode ser considerada uma forma de inovação colaborativa uma vez que, apesar de não se tratar de uma colaboração que envolve a sociedade diretamente, alcança a mesma no sentido de que os benefícios resultantes da colaboração vão ao encontro dos interesses da mesma, criando, desta forma, valor público. 

Conforme Bryson, Crosby e Bloomberg (2014), citado por Crosby, Hart e Torfing(2017), valor público pode ser definido como aquilo que é valorizado pelo público ou é bom para o público. De acordo com Crosby, Hart e Torfing (2017), governança de valor público permite que os agentes de inovação pública possam ultrapassar as barreiras burocráticas e operar por meio de fronteiras setoriais e jurisdicionais a fim de alcançar objetivos públicos. Ainda segundo os últimos, a governança do valor público abrange a definição de direções, a elaboração de políticas e a gestão que considera toda a gama de valores públicos e normalmente envolve múltiplos setores. 

Apesar do fato de as fronteiras da burocracia não serem realmente rompidas no caso citado, ainda assim ele possui características relacionadas à inovação colaborativa, como por exemplo o olhar para além de uma única organização e a estimulação da interação e troca de conhecimentos e recursos. Entre as vantagens de tal colaboração, podem ser citadas: a economia processual, tendo em vista que ao invés de serem realizadas diversas licitações, é realizada apenas uma para todos os órgãos integrantes; ganho de escala resultante da agregação dos quantitativos necessários para o atendimento de todos os órgãos, o que resulta numa redução do custo dos produtos licitados e, consequentemente, economia de recursos públicos; qualificação das especificações técnicas, uma vez que a troca de conhecimento entre os órgãos na fase do planejamento é um ponto favorável; proporciona maior celeridade no processo de compra, visto que é realizado apenas um processo licitatório; economia de recursos públicos em virtude da necessidade de envolvimento de menos servidores na execução de apenas um processo de compra. Além disso, a inclusão e envolvimento de diversos órgãos numa mesma contratação diminui a probabilidade de fraudes e proporciona maior transparência e idoneidade ao processo.

De acordo com Kinder (2013), citando Siehl et al. (1991) os fluxos de informação partilhados, eficazes e em tempo real são referidos como um “rito de integração”. O autor cita a teoria de processamento de informação de Beer (1979), cujo argumento é o de que o desempenho de qualquer organização é limitado pela sua capacidade de processar informação e, em ambientes caracterizados pela incerteza, complexidade e ambiguidade, os perigos residem na centralização ou em unidades de serviço funcionalmente independentes.

Neste aspecto, a parceria entre os órgãos públicos envolvidos no termo de cooperação é inovadora, pois descentraliza o processo de compra, ampliando o processamento das informações por meio do compartilhamento, que resulta em ganhos de produtividade e eficiência.

Para a consecução do termo de cooperação, foi necessário o envolvimento de todos os órgãos partícipes, por meio de diálogos e deliberação acerca dos problemas enfrentados pelos mesmos nos processos de contratação, com vistas à busca de potenciais soluções. De acordo com Crosby, Hart e Torfing (2017), o processo de inovação colaborativa deve garantir a participação de pessoas que entendem os diferentes aspectos do problema; pessoas que são responsáveis pela resolução destes problemas; pessoas com ideias criativas e coragem para levá-las a cabo de uma forma flexível e realista, dispostas a correr riscos; pessoas que estejam dispostas a integrar propostas e construir redes de apoio; pessoas favoráveis a experimentar protótipos e pessoas que podem agir de forma a garantir a implementação dos projetos.

Ainda segundo Crosby, Hart e Torfing (2017), apostar em um “herói da inovação” ou nos “cavaleiros solitários” é arriscado, o grande desafio das organizações e seus gestores é examinar como o trabalho colaborativo pode promover e consolidar a inovação pública criadora de valor que pode aprimorar os serviços prestados à sociedade e superar impasses políticos. É necessário, portanto, ampliar o olhar para além da organização, visando estimular a interação e troca de conhecimentos, tecnologias e recursos.

De acordo com os autores, nem sempre haverá compatibilidade de visão, entretanto a colaboração envolve a gestão construtiva da diferença, de forma que seja possível encontrar um terreno comum para resolver problemas multipartidários. A existência de diferentes opiniões e ideias contribui para a criação de soluções inovadoras. Além disso, o processo criativo de resolução de demandas e/ou problemas deve abranger a prototipagem e a experimentação. Tentativas e erros resultam em processo de aprendizagem criativa e reduzem o risco e os custos. Segundo Kinder (2013) a prestação interorganizacional de serviços públicos locais desafia todos os envolvidos a adotar uma nova forma de pensar sobre sua comunidade, a identidade dela e sua própria identidade. 

Desta forma, conclui-se que o Termo de Cooperação Técnica nº 54/2021 constitui um caso de inovação colaborativa na medida em que envolve diversos atores da esfera pública e confere mais eficiência e economicidade nos processos de contratação, contribuindo com a criação de valor público. Ressalta-se, ainda, que em virtude de não ser totalmente disruptivo com os sistemas burocráticos, uma vez que segue os ritos de contratação pública previstos na legislação e que os envolvidos são órgãos públicos, os processos resultantes da colaboração acabam por ter uma legitimidade já pré-estabelecida, fator importante para a consolidação das inovações na governança pública.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

Barbara C. Crosby, Paul ‘t Hart & Jacob Torfing (2017) Publicvaluecreationthroughcollaborativeinnovation, Public Management Review, 19:5, 655-669, DOI: 10.1080/14719037.2016.1192165

Tony Kinder (2013) Innovation in aninter-organisational contexto, Handbook ofInnovation in Public Services. Cheltenham, UK; Northampton, MA, USA: MPG Books Group, 2013.

Termo de Cooperação Técnica nº 54/2021. Disponível em: https://spectro.alesc.sc.gov.br/contratos/contrato/2765/download

Natalia Milack Colombo
Graduada em Ciências Econômicas pela Universidade do Extremo Sul Catarinense (UNESC) e atualmente mestranda no Programa de Pós Graduação em Administração da Universidade do Estado de Santa Catarina (UDESC), atua também servidora pública no Poder Legislativo do Estado de Santa Catarina desde 2013.

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