A colaboração como promotora da inovação: perspectivas no âmbito das contratações públicas

Ao dissertarem acerca do tema da inovação no âmbito do setor público, os autores Stephen Osborne, Kerry Brown, Christopher Ansell, Jacob Torfing, Mark Moore e Jean Hartley têm o mérito de superar a ideia de que a inovação é um processo que acontece exclusivamente no interior das organizações e tratar, sob diferentes perspectivas, contextos e abordagens, da interação das entidades com o ambiente externo organizacional, bem como da colaboração entre as organizações como relevantes fatores de promoção de inovação.

Na visão de Osborne e Brown, dentre os atributos das organizações inovadoras, está a relação entre a organização e o ambiente organizacional externo. A partir dessa interação, podem surgir inovações, as quais podem ser originadas da competição entre essas entidades, derivadas da colaboração entre elas, advindas da relação entre a organização e seus usuários finais e, ainda, decorrentes da orientação estratégica geral para o mercado adotada pela entidade. Nas duas primeiras, a causa da inovação está relacionada ao impacto do próprio ambiente na organização, enquanto, nas duas últimas, a inovação está relacionada a uma resposta estratégica da organização ao seu ambiente.

A cooperação entre organizações, por sua vez, é tratada com mais profundidade pelos doutrinadores Ansell e Torfing, os quais propõem uma estratégia alternativa para o incentivo à inovação, baseada na colaboração entre diversos atores – agências públicas, usuários, cidadãos, empresas, organizações de interesses e organizações da sociedade civil. A partir do paradigma da Nova Governança Pública, os professores sustentam que a posse de relevantes ativos (como visões, experiências concretas, novas ideias, criatividade, coragem, recursos fiscais e capacidade de implementação) deveria determinar quem participa do processo de inovação pública. Para possibilitar a criação de espaços de colaboração, capazes de unir vários atores e promover a definição de problemas conjuntos, o aprendizado mútuo e a construção de novas soluções para complexos desafios sociais, os autores apresentam a ferramenta do design thinking.

Em seguida, Moore e Hartley trazem contornos ainda mais profundos no tocante à colaboração entre organizações, ao sugerirem uma nova classe de inovações – as inovações em governança. Essas inovações são concebidas e implementadas além do nível organizacional, envolvendo redes de organizações. Além disso, são caracterizadas por aproveitarem novas fontes financiamento, explorarem a capacidade do governo de redefinir direitos e responsabilidades privados, redistribuírem o direito de definir e avaliar o valor da produção e avaliarem as inovações em termos de justiça, equidade e construção de comunidade, bem como de eficiência e eficácia.

É interessante notar que os citados autores, ao incentivarem a inovação por meio da colaboração entre os diversos atores que compõem a esfera pública, convergem ao apontarem as principais razões para se adotar essa estratégia: o crescente aumento das demandas dos cidadãos por serviços públicos de qualidade, em tempos de restrição de recursos públicos, acompanhado da existência, no setor público, de problemas que são únicos, persistentes e difíceis de definir e resolver, pois as soluções devem envolver vários requisitos conflitantes e instáveis.

Traçando um paralelo com o atual contexto de pandemia, precipuamente no tocante ao controle e gestão das compras públicas, é patente que os desafios do administrador público de dar respostas rápidas e eficientes, sem deixar de atender ao regramento legal, já evidente há anos, foi potencializado pela emergência de saúde pública decorrente do novo coronavírus, o que levou à necessidade de inovar e buscar alternativas.

Nesse contexto, é imprescindível a atuação em rede, envolvendo gestores públicos, órgãos de controle, sociedade civil e fornecedores, quando da realização das compras públicas, por conferir mais segurança ao gestor público, assegurar a regular instrução dos processos, contribuir para a celeridade das decisões e garantir uma contratação que atenda ao interesse público. A aproximação entre o Poder Executivo e os órgãos de controle, observada em alguns estados, como Santa Catarina, por meio de redes formais e informais, pode trazer importantes mudanças no âmbito das contratações públicas.

Como exemplo de iniciativa nesse sentido, pode-se citar o grupo de compras emergenciais do Governo do Estado de Santa Catarina, integrado por representantes da administração estadual, do Ministério Público de Contas de Santa Catarina, do Ministério Público de Santa Catarina, do Tribunal de Justiça de Santa Catarina, do Procon de Santa Catarina e do Tribunal de Contas de Santa Catarina, criado para orientar e dar suporte aos gestores públicos nas aquisições que demandam decisões urgentes.

Embora não se ignore a presença de dificuldades relacionadas à organização da colaboração e à repartição de responsabilidades – as quais, nesse caso específico de Santa Catarina, culminaram na subutilização do grupo – é essencial buscar a articulação colaborativa dos vários atores envolvidos no ciclo da contratação pública, com vistas à produção conjunta de soluções para os dilemas enfrentados no âmbito das compras públicas.

Referências bibliográficas

ANSELL, Christopher; TORFING, Jacob. Public innovation through collaboration and design. New York: Routledge, 2014. Cap. 1, pgs. 1 a 13.

MOORE, Mark; HARTLEY, Jean. Innovations in governance. In: OSBORNE, Stephen P.; BROWN, Louise. Handbook of innovation in public services. Cheltenham: Edward Elgar, 2013. Cap. 4.

OSBORNE, Stephen P. BROWN, Kerry. Managing change and innovation in public service organizations. New York: Routledge, 2005. Cap. 7, pgs. 132-139.

TCE/SC integra grupo especial de análise de compras emergenciais do Estado. Disponível em: <http://www.tce.sc.gov.br/tcesc-integra-grupo-especial-de-an%C3%A1lise-de-compras-emergenciais-do-estado>. Acesso em 02 set. 2020.

Autora




Anna Clara Leite Pestana
Bacharela em Direito pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE). Advogada e Auditora Fiscal de Controle Externo do Tribunal de Contas do Estado de Santa Catarina (TCE/SC). Acessar Lattes e LinkedIn.

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